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Saudações! Sou a sedução, o poder, o vício, a tentação;

a conquista a qualquer preço, o exagero, a manipulação.

Sou o apego, o ego, o defeito, o ponto cego;

sou seu ponto fraco, fraqueza e fracasso.

 

Eu não sou o inimigo, sou a sombra que te habita,

fragilidade vestida de hipocrisia.

Sou o Bezerro de Ouro, a idolatria ao grátis e instantâneo

– eu quero, e quero agora!

Mas, se atalho fosse caminho, assim se chamaria!


Dizem que sou o pecado, o malvado, a maldição.

Sou apenas sua pena, seu sofrimento de estimação.

Pena é algo leve - por que você faz ficar tão pesado?


Eu sou o medo que acorrenta, a vaidade que ilude;

a preguiça que aliena, a luxúria inebriante.

Sou a gula, a ganância, a vontade insaciável,

a ira exacerbada, a escravidão escancarada.

 

Sou o Diabo, o conto do vigário,

a mentira que você conta para si mesmo.

É fácil jogar a culpa nesse velho bode expiatório;

mas já estou acostumado com quem não assume os próprios erros.

Não sou o castigo, não venho cobrar karma.

Sou o algoz com convite, o carrasco convidado.

 

Você acha que está no comando, você acha que está no controle;

mas esse é o meu domínio, e apenas observo.

Você busca culpados, pois o inferno são os outros;

você fecha os olhos e finge não ver... dá um jeitinho, ignora... só mais essa vez...

E assim fica enredado na própria desculpa esfarrapada.


E nos farrapos que se alastram e se arrastam,

entre trancos e barrancos, você vai estagnando,

achando que está vivendo quando, na verdade, está apenas tentando.

Sou a prisão conhecida e escolhida por opção

em detrimento da liberdade desconhecida:

o reflexo sombrio do seu potencial desperdiçado!

 

Eu, o Diabo, sou o poder, o prazer e a posse,

que poderiam ser vivenciados sem culpa ou corrupção.

O Poder, não a possessão, não a obsessão;

a capacidade de descer às profundezas, e desenterrar seu tesouro:

-- é no profundo e na sombra que descansa sua essência. Acorda!

 

Eu, o Diabo, não conheço limites, sou ousado e sagaz;

a bem da verdade, tudo o que falo não é mentira.

Sou a sombra projetada na parede, mas não sou uma ameaça:

sou a mordaça que abafa o seu grito de liberdade.

 

Liberdade não é ter tudo ou ser qualquer coisa que você quiser;

liberdade é ser quem você se dispõe a ser.

Então, eu te pergunto: - Cadê a sua disposição em bancar suas escolhas?

 

Liberdade não se compra, se conquista. Liberdade ganha é independência alugada;

é estar preso por falta de vontade.

Sem que você perceba, roubo seu tempo com pequenas distrações

e grandes adiamentos: provação, provocação, procrastinação.

 

Sou o Diabo, o anjo caído, a tentação do paraíso... Mas, veja bem...

o paraíso que você imagina, na verdade é o inferno:

um lugar de ócio e êxtase, o cúmulo do acúmulo,

cegueira compulsiva, consumo compulsório.


Inferno é viver alienado ou alucinado - uma morte não consumada.

Inferno é ser refém de meias verdades e mentiras inteiras.

Eu, o Diabo, sou o aviso do desvio: você está no submundo

-- um mundo que não é seu, vivendo uma vida que não é sua.

Saia enquanto pode.

 
 
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Olá, muito prazer, eu sou a Temperança.

Não tenho pressa, tenho tempo, tenho esperança.

Tenho o momento presente, e isso é mais que bastante.

 

Eu sou o sopro que te inspira

o respiro, o abrigo sob as asas

o ar, invisível, despercebido,

que só é notado na falta.

 

Sou o vôo contido, a respiração infinita,

o fluxo constante, o tempero de vida.

Sou o vento pausado em brisa, a atmosfera quente e fria

que se equilibra e se renova; o morno aconchego, a paz, a calmaria.


Paciência é a ciência da paz – mente e coração no mesmo compasso.

 

Pareço um anjo, mas minhas asas não são para voar: são para alertar

que é possível voar, mas nem sempre é necessário.

Muitas vezes, melhor pousar e pausar.

Esperar pode ser um bom remédio:

um bálsamo para os desalentos,

um remédio para os desatentos.

 

As pessoas não gostam de esperar, querem tudo para já.

A única urgência é viver o que há.

 

Eu lhes digo que não há receita a ser seguida:

o tempero da sua vida vai muito do seu gosto.

 

Não existe um ponto certo de virada, um ponto definitivo, uma hora marcada.

Comigo, o encontro é por acaso; deixo a conversa correr solta, sincronicidades, sabe?

Ou melhor, deixo a conversa andar... conversa corrida é palavra esquecida.

 

Você sabe o que é um anjo? Anjo é uma emanação, sopro.

Sou como suas palavras, que sobem aos céus e depois descem.

Não venho do alto, na verdade, venho de dentro.

 

Sou o momento da sua vida em que não há nada a ser feito

só esperar, serenar, maturar...

 

Nada me abala, estou blindado e protegido.

Não de armadura, mas de leveza.

 

Eu sou a neutralidade; nem o Pai, nem o Filho, sou o Espírito Santo:

o canal entre a Fonte e o recipiente.

Sou o ponto de convergência do feminino e masculino,

o ponto de encontro híbrido: o coletivo.

Estou entre a Morte e o Diabo, entre a cruz e a espada, o vazio e o caos.

Sou o fluxo da vida, rio e margem.


O rio é a força que contorna pedras,

a margem é o contorno que protege a água.

Sou como água em pedra, como diz o ditado:

"tanto bate até que fura", sou a Temperança,

o Tempo de todas as coisas.

 

Sou o momento em que a vida, gentilmente, te ensina

a ter delicada paciência. Espera...

é só tempo necessário para que o passado

encontre um lugar de repouso em seu coração

e o futuro, um lugar de vôo em sua mente.

Sou a Temperança - Semente do Presente.

 
 

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Um dia eu venho, e algo se vai. Deixa de ser, deixa de estar, e se faz pó.

Só, no solo vazio, a semente aguarda; a solidão também morre, um dia.

Eu sou a Morte, estou com você em todo lugar, não à espreita, mas bem presente.

Não sou fantasma, nem sombra: sou luz no seu momento mais escuro.

Sou a benção oculta que você nem se dá conta

que fecha portas que não são suas, e encerra caminhos que não se abrem.

 

Muitos me temem, me culpam, ou rejeitam;

mas é melhor me aceitar, porque eu sou a única certeza

Outros dizem que eu faço o "serviço sujo”;

a bem da verdade o que eu faço é a limpeza,

faço o serviço que ninguém quer fazer.

Quando ninguém está vendo, elimino os excessos, purifico, reciclo, enterro.

Eu não me apego, e o ego se irrita.

Ah, o ego quer manter as aparências, ter tudo para sempre.

Mas, já aviso: para sempre é muito tempo. Você não aguentaria, seria monotonia.

 

Tudo morre e se renova. Tudo acaba para se tornar outra coisa.

A criança morre para ser adolescente; o jovem morre para se fazer adulto.

Mas há os que resistem à morte, e por isso atrofiam. Ficam na infância para sempre; paralisados no tempo que foi, usam uma roupa que já não serve mais.

 

A roupa tem sua serventia; mas você é que não serve mais para essa roupa.

Essa “roupa” é a casca com a qual você se acostumou...

como na cantiga, apenas “diga... adeus e vá simbora”.

Comigo você aprende a se acostumar com o fim da história.

 

Eu sou a Morte, e venho te apresentar novas paisagens.

Nem melhores, nem piores, apenas diferentes.

Sou a nova fase, a nova vida,

o reset do jogo, a volta por cima.


Também sou conhecida como Ceifador:

para que o trigo se torne alimento, é preciso ceifá-lo

do contrário, continuará sendo planta.

Não há nada que você possa fazer, apenas aceitar.

 

O tempo se esgotou, e escorre gota a gota de volta à terra.

É preciso saber enterrar seus mortos, seus sonhos abortados,

Seus planos em aberto, desapontamentos.

Um dia, o fóssil se torna petróleo, o petróleo, combustível.

Um dia, o cisco se torna pérola, e a pérola, raridade.

 

Eu sou a Morte, aquela que não tem idade,

de aparência esquelética que revela

que o que fica quando tudo vai embora, é só osso, e é tudo igual.

A aparência não importa, a experiência é passageira,

você não passa pela vida, a vida é que te transpassa.

Então, por favor, não me veja como inimiga. No fim, quem estará com você, serei só eu.

Eu Sou a Morte, sua parceira de Vida. E não há nada que você possa fazer.

Cuide da sua vida, que eu cuido da morte.

 
 

Onde Nasce o Futuro, por Lucélia Oshiro

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