- Lucelia Oshiro
- 22 de jul. de 2024
- 2 min de leitura

Saudações! Sou a sedução, o poder, o vício, a tentação;
a conquista a qualquer preço, o exagero, a manipulação.
Sou o apego, o ego, o defeito, o ponto cego;
sou seu ponto fraco, fraqueza e fracasso.
Eu não sou o inimigo, sou a sombra que te habita,
fragilidade vestida de hipocrisia.
Sou o Bezerro de Ouro, a idolatria ao grátis e instantâneo
– eu quero, e quero agora!
Mas, se atalho fosse caminho, assim se chamaria!
Dizem que sou o pecado, o malvado, a maldição.
Sou apenas sua pena, seu sofrimento de estimação.
Pena é algo leve - por que você faz ficar tão pesado?
Eu sou o medo que acorrenta, a vaidade que ilude;
a preguiça que aliena, a luxúria inebriante.
Sou a gula, a ganância, a vontade insaciável,
a ira exacerbada, a escravidão escancarada.
Sou o Diabo, o conto do vigário,
a mentira que você conta para si mesmo.
É fácil jogar a culpa nesse velho bode expiatório;
mas já estou acostumado com quem não assume os próprios erros.
Não sou o castigo, não venho cobrar karma.
Sou o algoz com convite, o carrasco convidado.
Você acha que está no comando, você acha que está no controle;
mas esse é o meu domínio, e apenas observo.
Você busca culpados, pois o inferno são os outros;
você fecha os olhos e finge não ver... dá um jeitinho, ignora... só mais essa vez...
E assim fica enredado na própria desculpa esfarrapada.
E nos farrapos que se alastram e se arrastam,
entre trancos e barrancos, você vai estagnando,
achando que está vivendo quando, na verdade, está apenas tentando.
Sou a prisão conhecida e escolhida por opção
em detrimento da liberdade desconhecida:
o reflexo sombrio do seu potencial desperdiçado!
Eu, o Diabo, sou o poder, o prazer e a posse,
que poderiam ser vivenciados sem culpa ou corrupção.
O Poder, não a possessão, não a obsessão;
a capacidade de descer às profundezas, e desenterrar seu tesouro:
-- é no profundo e na sombra que descansa sua essência. Acorda!
Eu, o Diabo, não conheço limites, sou ousado e sagaz;
a bem da verdade, tudo o que falo não é mentira.
Sou a sombra projetada na parede, mas não sou uma ameaça:
sou a mordaça que abafa o seu grito de liberdade.
Liberdade não é ter tudo ou ser qualquer coisa que você quiser;
liberdade é ser quem você se dispõe a ser.
Então, eu te pergunto: - Cadê a sua disposição em bancar suas escolhas?
Liberdade não se compra, se conquista. Liberdade ganha é independência alugada;
é estar preso por falta de vontade.
Sem que você perceba, roubo seu tempo com pequenas distrações
e grandes adiamentos: provação, provocação, procrastinação.
Sou o Diabo, o anjo caído, a tentação do paraíso... Mas, veja bem...
o paraíso que você imagina, na verdade é o inferno:
um lugar de ócio e êxtase, o cúmulo do acúmulo,
cegueira compulsiva, consumo compulsório.
Inferno é viver alienado ou alucinado - uma morte não consumada.
Inferno é ser refém de meias verdades e mentiras inteiras.
Eu, o Diabo, sou o aviso do desvio: você está no submundo
-- um mundo que não é seu, vivendo uma vida que não é sua.
Saia enquanto pode.
- Lucelia Oshiro
- 19 de jul. de 2024
- 2 min de leitura

Olá, muito prazer, eu sou a Temperança.
Não tenho pressa, tenho tempo, tenho esperança.
Tenho o momento presente, e isso é mais que bastante.
Eu sou o sopro que te inspira
o respiro, o abrigo sob as asas
o ar, invisível, despercebido,
que só é notado na falta.
Sou o vôo contido, a respiração infinita,
o fluxo constante, o tempero de vida.
Sou o vento pausado em brisa, a atmosfera quente e fria
que se equilibra e se renova; o morno aconchego, a paz, a calmaria.
Paciência é a ciência da paz – mente e coração no mesmo compasso.
Pareço um anjo, mas minhas asas não são para voar: são para alertar
que é possível voar, mas nem sempre é necessário.
Muitas vezes, melhor pousar e pausar.
Esperar pode ser um bom remédio:
um bálsamo para os desalentos,
um remédio para os desatentos.
As pessoas não gostam de esperar, querem tudo para já.
A única urgência é viver o que há.
Eu lhes digo que não há receita a ser seguida:
o tempero da sua vida vai muito do seu gosto.
Não existe um ponto certo de virada, um ponto definitivo, uma hora marcada.
Comigo, o encontro é por acaso; deixo a conversa correr solta, sincronicidades, sabe?
Ou melhor, deixo a conversa andar... conversa corrida é palavra esquecida.
Você sabe o que é um anjo? Anjo é uma emanação, sopro.
Sou como suas palavras, que sobem aos céus e depois descem.
Não venho do alto, na verdade, venho de dentro.
Sou o momento da sua vida em que não há nada a ser feito
só esperar, serenar, maturar...
Nada me abala, estou blindado e protegido.
Não de armadura, mas de leveza.
Eu sou a neutralidade; nem o Pai, nem o Filho, sou o Espírito Santo:
o canal entre a Fonte e o recipiente.
Sou o ponto de convergência do feminino e masculino,
o ponto de encontro híbrido: o coletivo.
Estou entre a Morte e o Diabo, entre a cruz e a espada, o vazio e o caos.
Sou o fluxo da vida, rio e margem.
O rio é a força que contorna pedras,
a margem é o contorno que protege a água.
Sou como água em pedra, como diz o ditado:
"tanto bate até que fura", sou a Temperança,
o Tempo de todas as coisas.
Sou o momento em que a vida, gentilmente, te ensina
a ter delicada paciência. Espera...
é só tempo necessário para que o passado
encontre um lugar de repouso em seu coração
e o futuro, um lugar de vôo em sua mente.
Sou a Temperança - Semente do Presente.
- Lucelia Oshiro
- 17 de jul. de 2024
- 2 min de leitura

Um dia eu venho, e algo se vai. Deixa de ser, deixa de estar, e se faz pó.
Só, no solo vazio, a semente aguarda; a solidão também morre, um dia.
Eu sou a Morte, estou com você em todo lugar, não à espreita, mas bem presente.
Não sou fantasma, nem sombra: sou luz no seu momento mais escuro.
Sou a benção oculta que você nem se dá conta
que fecha portas que não são suas, e encerra caminhos que não se abrem.
Muitos me temem, me culpam, ou rejeitam;
mas é melhor me aceitar, porque eu sou a única certeza
Outros dizem que eu faço o "serviço sujo”;
a bem da verdade o que eu faço é a limpeza,
faço o serviço que ninguém quer fazer.
Quando ninguém está vendo, elimino os excessos, purifico, reciclo, enterro.
Eu não me apego, e o ego se irrita.
Ah, o ego quer manter as aparências, ter tudo para sempre.
Mas, já aviso: para sempre é muito tempo. Você não aguentaria, seria monotonia.
Tudo morre e se renova. Tudo acaba para se tornar outra coisa.
A criança morre para ser adolescente; o jovem morre para se fazer adulto.
Mas há os que resistem à morte, e por isso atrofiam. Ficam na infância para sempre; paralisados no tempo que foi, usam uma roupa que já não serve mais.
A roupa tem sua serventia; mas você é que não serve mais para essa roupa.
Essa “roupa” é a casca com a qual você se acostumou...
como na cantiga, apenas “diga... adeus e vá simbora”.
Comigo você aprende a se acostumar com o fim da história.
Eu sou a Morte, e venho te apresentar novas paisagens.
Nem melhores, nem piores, apenas diferentes.
Sou a nova fase, a nova vida,
o reset do jogo, a volta por cima.
Também sou conhecida como Ceifador:
para que o trigo se torne alimento, é preciso ceifá-lo
do contrário, continuará sendo planta.
Não há nada que você possa fazer, apenas aceitar.
O tempo se esgotou, e escorre gota a gota de volta à terra.
É preciso saber enterrar seus mortos, seus sonhos abortados,
Seus planos em aberto, desapontamentos.
Um dia, o fóssil se torna petróleo, o petróleo, combustível.
Um dia, o cisco se torna pérola, e a pérola, raridade.
Eu sou a Morte, aquela que não tem idade,
de aparência esquelética que revela
que o que fica quando tudo vai embora, é só osso, e é tudo igual.
A aparência não importa, a experiência é passageira,
você não passa pela vida, a vida é que te transpassa.
Então, por favor, não me veja como inimiga. No fim, quem estará com você, serei só eu.
Eu Sou a Morte, sua parceira de Vida. E não há nada que você possa fazer.
Cuide da sua vida, que eu cuido da morte.


