Arcano A Morte
- Lucelia Oshiro

- 17 de jul. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 25 de out. de 2024

Um dia eu venho, e algo se vai. Deixa de ser, deixa de estar, e se faz pó.
Só, no solo vazio, a semente aguarda; a solidão também morre, um dia.
Eu sou a Morte, estou com você em todo lugar, não à espreita, mas bem presente.
Não sou fantasma, nem sombra: sou luz no seu momento mais escuro.
Sou a benção oculta que você nem se dá conta
que fecha portas que não são suas, e encerra caminhos que não se abrem.
Muitos me temem, me culpam, ou rejeitam;
mas é melhor me aceitar, porque eu sou a única certeza
Outros dizem que eu faço o "serviço sujo”;
a bem da verdade o que eu faço é a limpeza,
faço o serviço que ninguém quer fazer.
Quando ninguém está vendo, elimino os excessos, purifico, reciclo, enterro.
Eu não me apego, e o ego se irrita.
Ah, o ego quer manter as aparências, ter tudo para sempre.
Mas, já aviso: para sempre é muito tempo. Você não aguentaria, seria monotonia.
Tudo morre e se renova. Tudo acaba para se tornar outra coisa.
A criança morre para ser adolescente; o jovem morre para se fazer adulto.
Mas há os que resistem à morte, e por isso atrofiam. Ficam na infância para sempre; paralisados no tempo que foi, usam uma roupa que já não serve mais.
A roupa tem sua serventia; mas você é que não serve mais para essa roupa.
Essa “roupa” é a casca com a qual você se acostumou...
como na cantiga, apenas “diga... adeus e vá simbora”.
Comigo você aprende a se acostumar com o fim da história.
Eu sou a Morte, e venho te apresentar novas paisagens.
Nem melhores, nem piores, apenas diferentes.
Sou a nova fase, a nova vida,
o reset do jogo, a volta por cima.
Também sou conhecida como Ceifador:
para que o trigo se torne alimento, é preciso ceifá-lo
do contrário, continuará sendo planta.
Não há nada que você possa fazer, apenas aceitar.
O tempo se esgotou, e escorre gota a gota de volta à terra.
É preciso saber enterrar seus mortos, seus sonhos abortados,
Seus planos em aberto, desapontamentos.
Um dia, o fóssil se torna petróleo, o petróleo, combustível.
Um dia, o cisco se torna pérola, e a pérola, raridade.
Eu sou a Morte, aquela que não tem idade,
de aparência esquelética que revela
que o que fica quando tudo vai embora, é só osso, e é tudo igual.
A aparência não importa, a experiência é passageira,
você não passa pela vida, a vida é que te transpassa.
Então, por favor, não me veja como inimiga. No fim, quem estará com você, serei só eu.
Eu Sou a Morte, sua parceira de Vida. E não há nada que você possa fazer.
Cuide da sua vida, que eu cuido da morte.






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