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Arcano O Pendurado

Atualizado: 27 de out. de 2024


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Eis-me aqui, aqui estou. Não vou a lugar algum, não sairei daqui.

Fico o tempo necessário. Sim, sim, já faz tempo que estou aqui;

tanto, que já nem me lembro mais.

Tenho o sol e a lua como relógio, mas, para quê contar o tempo?

Melhor do que contar o tempo, prefiro ouvir o que o Tempo

tem para me contar.

Assim, de cabeça para baixo, tudo está invertido:

o dia pode ser noite, e a noite pode ser dia.

Claro ou escuro, quem se importa?

quando fecho os olhos vejo com mais clareza do que quando estou de olhos abertos.

 

Sou o Pendurado, Enforcado é só um apelido.

Meu pé está atado, posso sair quando quiser.

Mas, nem sempre, querer é poder.

Quero, mas melhor não... Posso, mas não quero ainda.

 

Todos passam e me perguntam: “Pra quê ficar nessa situação desconfortável?”

Eu nem respondo, apenas sorrio. Acho que as pessoas têm dó,

(não sei se de mim, ou de si mesmas).

Sentir pena é penalizar o inocente colocando-o como impotente.

Sentem dó de mim porque me julgam fraco; fraco é quem não aguenta o próprio peso.

 

Estou suspenso como o tempo, sou a ausência de ação. Talvez, por isso, pareço inútil. Mas não sou utilitário, meu valor não se resume no que faço, mas em quem sou.

 

Eu sou o Pendurado, e o que eu faço todo o tempo é olhar a vegetação, olhar o chão,

e, assim, descobri fendas e texturas curiosas; e também percebi o cheiro das cores

e as cores do vento.

Parado, eu vejo o movimento que as pessoas em movimento não param para ver.

 

Muitos pensam que estou aqui de castigo, uma prisão sem paredes,

só porta de entrada, sem porta de saída.

Mas, de onde estou, sempre vejo alternativas.

 

Eu sou a pendência, o que precisa ser resolvido,

a pausa necessária, a redenção pelo sacrifício.

Sacro-ofício é estar a serviço do sagrado, o santo trabalho, o dever cumprido,

a feitura do que foi prometido.


Eu sou o momento da história sem o protagonista. 

Sou o personagem não muito querido: como um condenado excluído.

No exílio, faço disso potência; por mais que eu tenha errado, eu não sou o erro.

 

Eu, o Pendurado, venho te convidar à correção:

a suspensão é necessária para decantação da consciência.

Não se coloque no papel de vítima dizendo que sua vida está estagnada:

se você está paralisado, não há culpado, nem salvador.

 

Eu, o Pendurado, não espero resgate: não estou perdido nem fui sequestrado.

Não estou à espera de um milagre.

Eu sou o hiato necessário para você perceber que o milagre, na verdade, é você!

 
 
 

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Onde Nasce o Futuro, por Lucélia Oshiro

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